Convidamos o professor Leonardo Campos para um bate-papo
Professor Leonardo Campos: antes de falarmos sobre as peculiaridades do Manifesto do Desapego, destaca para os nossos leitores a importância, de maneira geral, do desapego em nossas jornadas pessoais e profissionais.
A minha perspectiva diante do assunto não é por uma via fabulosa, fantástica, de operação de milagres. Não, é o reconhecimento de nossos contextos. Prega-se muito hoje em dia essa coisa do sair da zona de conforto, ser empático, ter resiliência, mas na maioria dos casos, ficamos muito na teoria ou sequer compreendemos tais conceitos, algo que dificulta até mesmo as nossas práticas. A questão do desapego vai além das postagens em redes sociais e status de WhatsApp, sabe? É colocar em prática em nosso cotidiano para que possamos trabalhar, estudar, se relacionar melhor com os nossos cenários. Desapegar de crenças limitantes, de que precisamos lidar com determinadas situações que nos trazem desconforto porque é uma regra social. Basicamente, a abordagem voltada para debates em Administração, Comunicação Social e em qualquer outro meio é saber lidar com a inteligência emocional para desobstruir passagens na pavimentação dos caminhos que trilhamos diariamente. É buscar práticas de desapego diante da constante rigidez cognitiva, que muitas vezes nos deixa fixos em pontos que impedem o nosso avanço. Desapegar de contatos e amizades que já não nos fazem mais tão bem, se afastar até mesmo de familiares que são tóxicos, evitar situações porque estamos acostumados a fazer as coisas sempre assim, porque “eu sou assim”. Em minhas aulas e encontros sobre esta temática, costumo colocar o assunto para reflexão, trazer experiências alheias e colocar todos os envolvidos para compreender melhor o que é desapegar e se, em suas respectivas realidade, todos estão prontos para tal empreitada. E, se não estão prontos, quais são os pontos que precisam observar para começar a lidar com o desapego. São encontros mais propositivos, sem teorias prontas e regras fixadas. Cada um reflete e dialoga com a temática tendo como base a sua própria realidade, isto é, o cenário onde se encontra inserido.
Antes de tratar da sua abordagem deste assunto com o filme Gravidade, explica para os nossos leitores as questões pontuais sobre o Manifesto do Desapego?
Tive acesso ao Manifesto do Desapego, de Eduardo Zugaib, recentemente, enquanto lia sobre o assunto depois de um insight presente na ótima palestra de Reinaldo Campos para o Programa TED TALK, uma fala cativante chamada Design Thinking e a Gravidade Zero. Como já trabalhava com a palestra em Planejamento de Carreiras, Gestão Ágil de Projetos e Comportamento Organizacional, decidi me aprofundar mais e descobri esse conteúdo interessante, que nos traz em 10 tópicos, dicas de desapego para uma vida mais fluente. No manifesto em questão, resumido em um infográfico disponibilizado para os leitores compreenderem a informação visualmente, temos tópicos sobre como lidar melhor com as nossas emoções. Habilidades socioemocionais em nossos contextos atuais são tão valiosos quanto dinheiro. Falar que vivemos uma era dinâmica demais, de muitos avanços, comunicação vertiginosa e, consequentemente, combustão contínua de ansiedades é uma obviedade, mas é algo que precisa ser debatido, isto é, colocado em pauta em todos os nossos dias. Medos, pensamentos voltados ao futuro, em detrimento de uma melhor pavimentação do presente, tentativa de manter o controle de tudo, até daquilo que não depende exclusivamente da gente, o constrangimento ao precisar pedir ajuda, o estabelecimento de metas irreais, bem como a necessidade constante de aprovação estão presentes neste manifesto, algo que neste momento que te respondo, dialoga com a minha realidade. São pontos que ajustamos, mas depois precisamos rever. Sair da apostila, da teoria, do papo e colocar em prática tem sido libertador, mesmo que custoso.
Gravidade, agora em 2023, completou uma década. Foi um filme bastante comentado e elogiado em seu lançamento. Quais são as questões narrativas presentes neste drama?
Solidão, autocontrole, luto. São tantas as possibilidades de análise para Gravidade, dirigido por Alfonso Cuarón, cineasta guiado pelo próprio roteiro, assinado numa parceria com Jonas Cuarón. Lançado em 2013, o filme nos apresenta uma estrutura dramática situada no terreno da ficção científica, mas sem seguir as convenções do gênero, revertidos em diversos momentos da narrativa que nos faz acompanhar os desdobramentos da missão de Dra. Ryan Stone, interpretada brilhantemente por Sandra Bullock, e de seu comandante, o Dr. Matt Kowalsky, desempenho dramático de George Clooney, dupla que se encontra alijada na dimensão espacial, depois que são atingidos por uma nuvem de detritos em alta velocidade enquanto instalavam novas peças no telescópio Hubble, a 600 quilômetros de nossa órbita. É um desafio gigantesco, asfixiante e intenso. Nesta aventura visualmente deslumbrante e dramaticamente profunda, temos momentos em que há a falta de combustível, noutros oxigênio. Em muitas passagens, a ausência de esperança, com personagens envoltos em suas necessidades dramáticas, construídas cuidadosamente, focada nas peculiaridades. São vários os temas abordados em Gravidade, uma narrativa para múltiplas interpretações, em segmentos diversos.
Ao assistir a sua aula especial sobre o assunto, percebi muitas conexões com questões ligadas ao mundo corporativo. Destaca mais algumas destas associações para o nosso público leitor?
O desapego é uma postura desafiadora. É a nossa capacidade de abrir mão de algumas coisas, reconhecer que aquilo não é mais relevante para a caminhada. Pode ser um objeto, um projeto, um texto que começamos, mas a ideia ganhou outro significado depois de um tempo. Quando digo desafiador, reforço que é porque muitas vezes levamos bastante tempo produzindo algo, entregamos energia e esforço, mas por circunstâncias diversas, precisamos nos libertar e seguir, porque talvez não seja mais útil. Em ambientes corporativos, por exemplo, precisamos pensar que nós estamos em determinados cargos, nós não somos os cargos. Quando um colaborador deixa de ter impacto positivo e não se identifica mais com uma jornada, qual a missão do líder? Libertar tal indivíduo, permitir que ele se encontre em outra caminhada. É um exemplo de desapego de ambas as partes. Se pegar demais drena as nossas energias, nos coloca em perigo e impede o fluxo evolutivo de nossas atividades pessoais e profissionais. No âmbito da administração, trabalho com Gestão Ágil de Projetos. Um dos princípios deste segmento é a mudança. Sempre bem-vinda, mesmo tardiamente no desenvolvimento de uma demanda. Então, se as pessoas querem entregar valor, precisam aderir aos sacrifícios de vez em quando. Costumo usar como epígrafe, uma citação com o poeta Fernando Pessoa: “a renúncia é a libertação... não querer é poder”. E assim, seguimos as nossas jornadas.
Antes de finalizarmos, uma questão que pode ser norteadora: quais os motivos para a escolha desta narrativa como tópicos para debate sobre a importância do desapego no âmbito da sala de aula em Administração, Comunicação Social, dentre outras vertentes de sua docência?
Interessante a sua pergunta, pois nos permite sair da teoria e coloquemos as ideias do manifesto em prática. Um exemplo recente: uma estudante desenvolveu durante dois meses um projeto para o seu TCC. Seu foco era analisar a realidade as jovens que se prostituem na estrada dos interiores, se relacionando com caminhoneiros e perdendo, assim, a aura da infância. Leu textos, assistiu vídeos, mas para desenvolver o projeto em jornalismo, deveria viajar. Com a sua rotina de dois estágios e disciplinas para terminar no curso, a viabilidade do projeto ficou comprometida, pois seria um documentário que pediria visitas aos locais, entrevistas. Isso começou em julho e a percepção de mudança de tema chegou em agosto. O que fazer? Lamentações? Não. O que foi lido e investigado foi perdido? Não, ela adquiriu conhecimento, pode usar o conteúdo para escrever um artigo, dentre outras possibilidades. Assim, foi preciso, diante da realidade, se reformular, buscar outro tema e, dentre setembro e novembro, esboçar outro projeto. É assim que funciona também para dinâmicas administrativas, em desenvolvimento de projetos ágeis, por exemplo. Desapegar. O tema se foi, não há como fazer, então parte para outra coisa. E rápido, sem delongas, pois é algo que pode gerar ansiedade e desânimo. Tal como a personagem do filme Gravidade, a estudante entrou em pânico, se desarticulou, mas sabiamente, ao desapegar de regras rígidas, conseguiu seguir adiante, não se entregou, buscar a “salvação” e hoje está em finalização de outro projeto mais tangível, ainda mais interessante e com novas perspectivas. Sem nem ter acesso ao manifesto tratado aqui, ela aplicou o desapego ao pedir ajuda, ao lidar com expectativas irreais, ao entender que os meus conselhos como orientador a tirou da ideia de estar certa, além da importante compreensão sobre não ter controle sobre as situações adversas ocorridas ao longo do semestre. Este é um dos casos, os leitores, provavelmente, se identificarão ao pensar em suas jornadas. Desapegar, por sua vez, não é nada fácil. Mas é algo necessário.
topp