Um Papo Rápido com o Professor Leonardo Campos
Professor Leonardo Campos, para começarmos: quais as vantagens do uso de histórias em quadrinhos no ambiente de aprendizagem da sala de aula?
Vejo nas histórias em quadrinhos uma ótima oportunidade para o letramento iconográfico. Nos livros, digo, os romances com autores consagrados de nossa literatura, nós temos a deliciosa viagem que é imaginar as situações ali descritas e ir, durante o processo, construindo as imagens em nossos pensamentos. Mas, para os professores, tem sido cada vez mais angustiante lidar com gerações desinteressadas pela leitura. Na era das redes sociais, aplicativos e postagens consumidas sem ao menos a pessoa conferir o que está descrito nas legendas, torna-se um grande desafio trabalhar com afinco a literatura na sala de aula, em especial, os clássicos. Sendo assim, com as histórias em quadrinhos, temos a vantagem de promover o processo de leitura do texto verbal e ainda permitir reflexões iconográficas, isto é, a leitura crítica de imagens. Analisar as cores, o desenvolvimento visual dos personagens, os movimentos, dentre outras peculiaridades da linguagem em questão ajuda no aprimoramento da cognição e a formação de um leitor mais crítico. Ao menos, em minhas experiências, tenho conseguido alcançar estes objetivos, mas cada contexto institucional e temporal se diferencia, então, não vejo fórmula mágica para trabalhar quadrinhos em sala de aula. O que é vantajoso é a formação de leitores, tudo isso se o professor tiver um bom planejamento de sequência didática para trabalhar o material. Não é uma tarefa das mais fáceis, em especial, por causa dos custos. Mas é possível.
Em nosso Papo Rápido sobre Cinema, você versou sobre o cinema e a direção de fotografia, o design de produção com sua cenografia e figurino, todos estes, elementos importantes para o uso desta arte na sala de aula. E com as histórias em quadrinhos: quais são os principais elementos de composição desta linguagem?
Antes de adentrar na linguagem, gostaria só de amarrar um pouco melhor a resposta anterior. Quando versei sobre custo, quis dizer da possível indisponibilidade de uma quantidade expressiva e que atenda ao professor em toda sua sala de aula. No âmbito do ensino privado, por exemplo, os responsáveis que já estão cheio de custos podem criar barreiras para aquisição de quadrinhos. Com Jubiabá, por exemplo, tradução do romance de Jorge Amado, além de estar fora de catálogo, o custo de um exemplar usado às vezes foge dos orçamentos. Então este é um desafio. Mas respondendo aos elementos da linguagem, sim, as histórias em quadrinhos possuem suas particularidades, como qualquer outra manifestação artística. Há as cores, o desenho dos personagens, as suas feições, expressões, os diálogos em balões, cada um a representar um tipo de sentimento. Temos o roteiro, o recorte escolhido pelos tradutores para este outro suporte semiótico. Há, então, uma linguagem repleta de suas especificidades.
Ao usar quadrinhos nas dinâmicas de aprendizagem, a sua proposta é criar novos leitores para outros suportes narrativos?
Sim, permitir que a leitura seja ampla e saia dos padrões burocráticos apenas dos textos corridos no formato desta entrevista, por exemplo, na maneira como ela chegará aos leitores, sabe? As histórias em quadrinhos são importantes para abordar temas como diversidade, inclusão social, meio ambiente, dentre tantos temas, num processo que estimula a reflexão e o senso crítico dos estudantes leitores. É a possibilidade do docente em trabalhar com conteúdos complexos por meio da ludicidade, promovendo a acessibilidade que consequentemente leva ao exercício da postura cidadã. As ilustrações ajudam na compreensão do texto e na estimulação da criatividade e da imaginação. Há também, como vantagem, o desenvolvimento da escrita e da interpretação textual. É a inserção de métodos mais significativos que abrangem a visão de mundo dos leitores.
Em sua exposição, você disse que todos ganham com o uso de Histórias em Quadrinhos: os estudantes e os professores. Explica para o nosso leitor esta via de mão-dupla?
Mesmo que as questões salariais estejam no foco, todo professor em sala de aula se interessa que os seus estudantes tenham uma aprendizagem significativa. A leitura e a escrita podem ser revigoradas nas dinâmicas de aula, tendo o uso das histórias em quadrinhos como uma de seus materiais para estratégias adotadas em sala. Ler e escrever são requisitos basilares para o pleno exercício da cidadania. Então essa troca entre docentes e estudantes é muito importante, todos saem ganhando algo. A Base Nacional Comum Curricular, conhecida por BNCC, documento que estabelece as diretrizes pedagógicas para a educação básica em nosso país, do ensino Infantil ao Médio, traz uma série de definições sobre os conhecimentos, habilidades e competências que os estudantes precisam desenvolver em cada etapa escolar. E as histórias em quadrinhos estão lá, como possibilidades, inclusive, além da zona dos estudos de linguagens. Podemos abarcar em História, Geografia, dentre tantas outras áreas. O seu uso, neste documento, é incentivado para o trabalho com questões interdisciplinares, num estímulo ao processo de integração entre as áreas do conhecimento e desenvolvimento de habilidades transversais.
Conta para os nossos leitores sobre o seu projeto mais recente, com Jubiabá, tradução do romance de Jorge Amado para a modalidade HQ.
Sempre invisto em quadrinhos quando mergulho nos estudos literários comparativos. Foi assim em 2023 com Moby Dick, de Herman Melville, e Drácula, de Bram Stoker. Agora, com Jubiabá, a única tradução de um romance de Jorge Amado para o formato que eu conheço e tenho acesso, montei uma proposta de aula dentro de uma sequência didática, envolvendo informações expositivas sobre o livro e as propostas de tradução para o formato visual. Debato com os estudantes as questões gerais sobre o tema, importantes, mas não fico apenas nisso. Refletimos sobre a psicologia das cores, a expressividade na composição dos personagens, bem como os processos de criatividade da jornada de Spacca, o autor da publicação. Ele esteve em Salvador, pesquisou no Pelourinho e em outras zonas da cidade, leu e interpretou fotografias de Pierre Verger, dentre outros tantos procedimentos metodológicos que envolvem pesquisa, um ato de cidadania importante para os estudantes exercerem criticamente no cotidiano, indo além do básico encontrado na internet e promovendo, assim, a leitura mais profunda. Jubiabá, tanto o livro quanto os quadrinhos, é uma história sobre afrodescendência, ideal também para cumprimento da Lei 10.639/03, vigente desde 2003 e que apregoa a importância da História dos Povos Africanos e seus desdobramentos em nossa cultura, algo que muitas vezes não é devidamente cumprido pelas instituições de ensino, ou, quando é, se reduz apenas aos festejos da Semana da Consciência Negra.
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