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Entre Freddy e Ghostface: Leonardo Campos analisa o Cinema de Wes Craven em entrevista

Com a palavra, o crítico Leonardo Campos e o cinema de Wes Craven


Em um bate-papo com o editor Ronaldo Anunciação, o professor e crítico de cinema Leonardo Campos conversou sobre o legado e o impacto cultural do cinema de Wes Craven, um gestor dos medos para as plateias, criador de ícones da cultura pop: Freddy Krueger e Ghostface.


Foto: Ronaldo Anunciação

Professor Leonardo, este é o quarto livro da coleção Palavra de Crítico.

O que faz de Wes Craven um cineasta tão especial para a jornada?

Apesar de ser mais conhecido por suas jornadas de terror, Wes Craven não merece apenas a alcunha de mestre deste segmento. Ele era um cineasta importante, cuidadoso no esmero estético e no desenvolvimento dramático de suas narrativas. Pânico e A Hora do Pesadelo são duas franquias que demarcaram o preâmbulo de minha cinefilia, marcada por momentos diletantes com jornadas cinematográficas de terror e depois ampliada para outros tipos de histórias. Por ser um dos maiores representantes de um gênero considerado menor para muitos equivocados, decidi incluir uma introdução ao Cinema de Wes Craven nesta série que ainda pretende dar destaque aos trabalhos de John Carpenter e Brian De Palma, outros grandes diretores em meu ponto de vista enquanto professor e crítico de cinema.

O subtítulo reforça que o livro é uma leitura introdutória ao universo cinematográfico de Wes Craven, mas pela observação do material, o grande foco está nas franquias A Hora do Pesadelo e Pânico.

Exatamente. O livro contempla todo o cinema de Wes Craven, mas delineia o legado e o impacto cultural das franquias de Freddy Krueger e Ghostface, produções que podem ser consideradas marcos substanciais da história do cinema. Wes dirigiu apenas o primeiro e o sétimo filme de A Hora do Pesadelo, tendo assumido os quatro primeiros da franquia Pânico. Nestas produções ele propõe doses generosas de adrenalina por meio do entretenimento, mas também levanta discussões interessantes sobre violência, impactos do cinema na vida real e a metalinguagem como elemento de retroalimentação da linguagem cinematográfica.

Reprodução

E o melhor Pânico é...

Todos os filmes são incríveis do ponto de vista do entretenimento. Há um consenso em relação ao terceiro ser o elo mais frágil, haja vista os seus problemas de bastidores. De todos, o que mais me envolve é Pânico 2, por seu final apoteótico num palco de teatro e por discutir de maneira assertiva a questão do impacto da violência do cinema fora das telas, nas ações e situações de nossa vida cotidiana.

Quando lia revistas de cinema antigamente, percebia alguns rankings que colocavam Freddy Krueger na lista dos melhores vilões, mas o mascarado Jason, de Sexta-Feira 13, nunca estava. Por que acha que um é, talvez, mais sofisticado que o outro?

Quando Freddy Krueger surgiu, o subgênero slasher já estava adentrando numa fase de desgaste. Era 1984 e a franquia Sexta-Feira 13 já se aproximava do quinto filme. Há também maior complexidade na história do assassino de suéter listrado e garras afiadas, conhecido por atacar os jovens incautos durante os pesadelos e tentar de alguma maneira se estabelecer em nosso mundo. Jason é um ícone, mas não fala, basicamente mata os personagens estereotipados até o embate final com a protagonista, numa saga de matança mais frágil, sem os diálogos e sagacidade de Freddy Krueger.

Voltando no tempo: quando começou a sua relação com o cinema de Wes Craven?

Consciente foi apenas em 1996, com Pânico. Antes, conhecia A Hora do Pesadelo pelo álbum de figurinhas lançada em 1992, material que chamado Terror em Dose Dupla e trazia imagens dos filmes e brindes sobre Freddy e Jason. Naquela época, já sabia que existia interesse dos estúdios em colocar os dois antagonistas numa só narrativa, o duelo tão esperado até 2003, além de conhecer em detalhes a biografia de Krueger, mas não sabia que era uma criação de Wes Craven, etc. Foi com Pânico, a era de Ouro de revista SET e as leituras constantes sobre cinema que comecei a reconhecer o diretor e investir na compreensão histórica de sua contribuição para o cinema.

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Mas Wes Craven não produziu apenas terror. Tem aquele filme com a Meryl Streep, o drama escolar...

Sim, Música do Coração, drama com Meryl Streep, um filme de drama acima da média, interessante em sua concepção e uma demonstração da versatilidade de Wes Craven, apesar de não ser um grande momento de sua carreira. É apenas um bom filme.

Quais os momentos não graciosos da jornada deste diretor que te encanta?

Vários. Confesso não achar interessante a adaptação de O Monstro do Pântano, tampouco Shocker – 100 Mil Volts de Horror e Quadrilha de Sádicos 2. São filmes equivocados, morosos, aparentemente realizados com muitos problemas de bastidores e mão pesada dos seus respectivos produtores. Também não considero A Maldição de Samantha e A Maldição dos Mortos-Vivos como obras-primas, mas possuem presença cativa em minha memória afetiva, filmes que sempre via e me deixavam curioso nas videolocadoras.

Pânico ou A Hora do Pesadelo? Existe um favorito?

Suas perguntas são sempre assim difíceis de esquivar (risos)? Confesso que prefiro Pânico e sua perspectiva mais realista. O elenco, o desenvolvimento dramático, as questões estéticas e a atmosfera da franquia de Ghostface dialogam mais com o que admiro enquanto entretenimento, além de suas discussões sobre metalinguagem, algo que considero fascinante.

Foto: Ronaldo Anunciação

A metalinguagem é uma constante. No sétimo episódio de Freddy Krueger, retorno de Wes Craven para a franquia, o diretor trabalhou bem a questão. Um ensaio para Pânico?

Você deve ter acompanhado isso na fala da palestra sobre Pânico, não foi? Termino destacando este ponto. No primeiro filme de Ghostface, Wes assumiu o roteiro de Kevin Williamson e imprimiu o seu estilo de narrar, mas já havia desenvolvido um exercício metalinguístico primoroso em O Novo Pesadelo – O Retorno de Freddy Krueger, sua volta ao universo do antagonista onírico, numa perspectiva do filme dentro do filme que é fantástica, inédita, muito criativa e envolvente. Considero este sétimo exemplar da franquia de Krueger o melhor de todos, apesar da importância do ponto de partida de 1984.

Agora vamos falar de legado. O novo Pânico conseguiu honrar a atmosfera dos quatro bons filmes anteriores?

Muito. Era uma das minhas preocupações, mas quando vi que as atrizes Neve Campbell e Courteney Cox tinham aceitado a empreitada de retorno, fiquei mais tranquilo e tive esperanças de que iriam honrar a trajetória de Wes. É uma narrativa eficiente, assertiva em suas escolhas para o desfecho e inteligente ao unificar os personagens-legado de 1996 com as novas figuras ficcionais deste universo metalinguístico formidável.


Wes Craven também era um cineasta de releituras. Aniversário Macabro é uma retomada subversiva de um tema realizado por Bergman.

Sim, Craven e sua equipe emulam A Fonte da Donzela, de Bergman, tendo em vista construir algo totalmente novo, mais impactante, visceral, visualmente desconfortável e muito violento. É uma história de vingança que delineia o estilo de se fazer terror nos anos 1970, época de clássicos, tais como Quadrilha de Sádicos e O Massacre da Serra Elétrica.

Sobre refilmagens: qual a melhor releitura de um filme de Wes Craven?

São poucas, então destaco o novo Pânico, pois apesar de curtir um pouco a refilmagem de A Hora do Pesadelo, não acho que o retorno de Freddy Krueger conseguiu resgatar a atmosfera de seu “original” como os realizadores da volta de Ghostface conseguiram com o mais recente massacre em Woodsboro.

Para finalizar, aos leitores: quais são os caminhos para uma viagem com passaporte de diversão e reflexão garantidas aos interessados no cinema de Wes Craven?

Acredito que seja a passagem por seus filmes traçando conexões. Ver como esfacelamento da família está em Aniversário Macabro, Pânico, As Criaturas Atrás das Paredes, Benção Mortal, Verão do Medo, Amaldiçoados, A Sétima Alma, Quadrilha de Sádicos, dentre outros. Observar como Craven narrava sobre os nossos medos, situações inesperadas que acometem pessoas comuns, como ocorre no ótimo Voo Noturno. Com exceção dos equívocos que também tinha alguns bons momentos, o cineasta criou um universo de personagens e narrativas que iam do realismo ao sobrenatural, tendo passado por uma linha tênue entre o horror e o humor, numa experiência que contemplou vampiros (Um Vampiro no Brooklyn), zumbis (A Maldição dos Mortos-Vivos), antagonistas mascarados (Pânico), lobisomens (Amaldiçoados), além de conseguir sustentar tranquilamente um estilo menos comum no drama Música do Coração, jornada lacrimejante com Meryl Streep interpretando o arquétipo da branca salvadora de crianças negras e pobres estadunidenses.

Siga o escritor em seu perfil @leodeletrasecinema

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