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ENADE: Professor Leonardo Campos fala sobre Arte, Cultura e Comunicação


Em um bate-papo com o editor Ronaldo Anunciação, o professor e crítico de cinema Leonardo Campos conversou sobre a importância da arte, cultura e comunicação.


Foto: Arquivo pessoal


Professor Leonardo: Arte, Cultura e Comunicação são três complexos conceitos distintos, mas que unificados, permitem uma linha de reflexão específica?

Refletir sobre os três conceitos em associação é dialogar com abordagens que o INEP constantemente emprega em suas avaliações. Entender a relação entre Arte, Cultura e Comunicação é analisar como a mídia transmite as produções artísticas, num conjunto de elos entre perspectivas e suportes distintos de nossa sociedade policultural. É entender a literatura como arte que ensina, inclui e humaniza, munida das funções político-social, mimética, catártica, cognitiva e lúdica. É compreender o cinema e as ficções televisivas como produtos da cultura de massa que interagem num esquema de unificação de comportamentos e estabelecimento de padrões, mas também um manancial para debates sobre temas pertinentes do contemporâneo. Mais recentemente, é entender o contexto em que vivemos, o que se produz artisticamente para representar os sentimentos e percepções da época em que se vive e observar como tudo isso chega ao público na relação entre emissor, canal e receptor. A conexão entre arte, cultura e comunicação, então, pode ser compreendida como fundamental para os nossos processos civilizatórios.

Ao versar sobre o assunto, em especial, do conceito de Arte, naturalmente nos enviesamos pelas discussões sobre o que pode ou não ser considerado artístico. Como lidar com este debate na sala de aula?

Conceitualmente a arte é uma experiência construída em sociedade que se configura como um denso campo de forças cheio de articulações. A arte, tal como a conhecemos hoje, deixou de ser algo religioso e ritualístico e se tornou, com o Renascimento, uma manifestação cultura de autores, com as designações que permitiram a sua difusão ao longo de sua evolução, hoje mergulhada nas dimensões tecnológicas que dominam as nossas existências. Pensar a arte é refletir sobre um dos elementos singulares em nossas experiências comunicativas, pois a sua presença permite o surgimento debates, rompimentos com linhas de pensamento dominantes ou perpetuação do que já se encontra estabelecido, um processo de produção simbólico que se firma como um espaço rico para questionamentos acerca das nossas dimensões comunicacionais e culturais, num mundo que segundo o filósofo Deleuze, não sofre de falta de comunicação, mas de excesso, em especial, na contemporaneidade. Ademais, quando o assunto é arte na sala de aula, precisamos sempre frisar as suas perspectivas estéticas, isto é, ligadas a sensibilidade criadora, e o subjetivo, ou seja, a produção social de estilos de vida.
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Arte tecnológica seria, então, uma definição das manifestações contemporâneas?

Os teóricos abordam que vivemos num período de coexistência entre a arte tradicional, aquela feita para ser contemplada, vista com distanciamento, e a arte tecnológica, fruto da sociedade da informação, provisória, em um mundo de comunicação também sem fixidez, em constante movimento e mudança. Os receptores, agora, são mais interativos, querem reagir e interferir em cenários, munindo-se da comunicação colaborativa. Observe o campo da Comunicação Social: os filmes são refeitos, remontados no You Tube, fotos de sites que mudam entre uma postagem e outra, notícias fragmentadas em blogs, sites, celulares, comentadas pelos usuários, num esquema que realiza intercâmbios entre os produtores, os receptores e os difusores. O que é momentâneo, então, ganha espaço e toma o lugar do perene, anteriormente mais rígido. A arte contemporânea, em linhas gerais, é a arte da descontinuidade, originada de um universo de acumulação, colagem, justaposição de tempos. A arte tecnológica se conecta com o processo de digitalização da informação de cunho estético, focado na interatividade do usuário, pelo receptor, alguém que diferente da arte contemplativa de antes, não deve se sentir necessariamente provocado, mas deve mexer na comunicação da arte em si.

E sobre o conceito de cultura. Há pluralidade de definições em sua abordagem nas dinâmicas em sala de aula?

Cultura é um conceito amplo e sempre muito polêmico. Basicamente, cultura vem de cultivar, aquilo que pode ser desde um jardim aos hábitos de um determinado indivíduo inserido ou não numa coletividade. A atuação do homem, sobre o meio, seria uma maneira de se produzir cultura. Humanisticamente falando, a cultura é tratada como a formalização de práticas cujo objetivo é a elevação do espírito humano, por um viés que pensa a questão pelo institucional, escolarizado e disciplinar. Antropologicamente, por sua vez, a cultura pode ser definida como modo de vida de uma determinada comunidade e tudo aquilo que este fenômeno implica, desde a sua religiosidade aos traços folclóricos, políticos, gastronômicos, artísticos, dentre outros. Com isso, temos as noções de cultura letrada, nascida com o advento da imprensa, a cultura popular, inferiorizada quando colocada numa perspectiva hierarquizada com as manifestações elitistas, a ideia da cultura de massa, difundida com os avanços tecnológicos da comunicação. Transmitida, adquirida e perpetuada, a cultura, na linha teórica de Michel de Certeau, o queridinho do INEP e, por sua vez, do ENADE, se inicia após o nosso nascimento, um processo natural que se transforma desde o momento que somos inseridos dentre de contextos. Ao versar sobre cultura é preciso também destacar as suas perspectivas “culturológicas”, isto é, a relação entre família, aquisição e indústria cultural. Ademais, refletir sobre cultura é pensar a cultura material, imaterial, os complexos culturais, os padrões culturais, a noção de subcultura, diferente daquilo que muitos pensam sobre uma definição “menor”.
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A Semana de Arte Moderna, em seu centenário, agora em 2022, foi um movimento interessante para se pensar os debates sobre cultura em suas aulas?

Sim, por ser professor de Ensino Médio, dialogo bastante com o movimento dos modernistas no século XX, hoje repensado em sua pompa, haja vista a agitação cultural elitista que também foi segregada, apesar de importante para o seu contexto. Quando a Semana de Arte Moderna aconteceu, em 1922, os artistas envolvidos realizam movimentações que se desdobraram em manifestos, publicações de poesia, contos, crônicas e romance, num abraço ao que era produzido artisticamente na música, no teatro, no cinema, dentre outras modalidades, prenúncio da era contemplativa da arte, exposta em museus e galerias, prestes a mudar nas décadas seguintes, tornando-se fruto da provocação, do novo tipo de relação entre obras e público. Recentemente, quando Emicida comandou o espetáculo para lançamento de seu álbum AmarElo, em 2019, no Teatro Municipal de São Paulo, permitiu que nós contemplássemos uma manifestação de contracultura, salvaguardadas as devidas proporções, semelhantes ao que os modernos fizeram na semana que completou cem anos em 2022. De volta aos modernistas, mais adiante, depois das suas primeiras fases, espalhadas pelas décadas da metade inicial do século XX, o Tropicalismo se firmou como um movimento reverberante da arte moderna, tal como a Poesia Concreta representação da fragmentação do tempo, isto é, arte fruto de seu contexto.

Uma das epígrafes mais interessantes de seu encontro estava logo na abertura

do slide: “a arte é fruto de seu tempo".

É porque a arte deve ser analisada dentro de seu contexto de produção. Quando John Carpenter realizou o clássico Halloween: A Noite do Terror, em 1978, inseriu elementos estéticos e dramáticos em sua narrativa, mantendo diálogo com os medos e inseguranças da época em questão, um período de muitas tensões sociais e desconforto político. O mesmo aconteceu com os modernistas das primeiras décadas do século XX, agentes do discurso literário que iam de encontro ao que se produzia na época e buscaram inserir as suas inquietações na literatura da época, numa reação que se desenhava como postura de contracultura, face aos ditames do estilo parnasiano. O Cinema Noir, ao estabelecer as mulheres fatais como um dos elementos de suas composições narrativas, emulava as inseguranças do pós-guerra, uma era de dominação feminina em setores da sociedade que não tinham espaço, anteriormente, para ninguém além dos homens. A múltipla Madonna, ícone da cultura pop estadunidense, quando começou a refletir as suas questões no campo do videoclipe, na década de 1980, dialogou com os problemas sociais femininos, raciais e políticos de sua geração, com debates que mesclavam entretenimento e crítica social. Há muitos outros exemplos para ilustração, trouxe aqui apenas alguns pontos de articulação com debates recentes em minhas aulas.

Estudar tais conteúdos parece uma viagem complexa por definições oriundas de teorias que se originam de lugares distintos. Observei que você passou mais da metade do encontro para os estudantes do ENADE, delineando observações sobre identidade cultural, aculturação, relativismo social, etnocentrismo, dentre outros.

É porque estes conceitos são importantes, não para seu conhecimento superficial, mas para aplicação no exercício do nosso pensamento cotidiano. Ao falar sobre relativismo cultural, dialogo com os debates sobre a não possibilidade de existência de culturas inferiores e superiores, afinal, uma cultura em específica só pode ser analisada dentro de seus próprios códigos. A aculturação é o processo que a antropologia interpreta como mudança dos códigos culturais de uma sociedade depois que elementos externos, geralmente engajados pela dominação política, territorial e social, se sobrepõem em seu espaço. No caso da identidade cultural, temos o conjunto híbrido de elementos que formam a cultura de um determinado povo, as coisas que fazem com que um agrupamento de pessoas se reconheça e se distingue dos demais. O etnocentrismo, por sua vez, é a criação de um olhar preconceituoso e unilateral sobre povos, culturas, religiões e etnias que não fazem parte do contexto de quem observa. É o julgamento inferior de uma cultura diante da sua própria. Compreender Arte, Comunicação e Cultura é saber lidar com o básico destas definições para realizar interpretações assertivas.

E o cinema, como sempre em suas incursões, é utilizado como elemento de associação, permitindo não apenas a ilustração dos conceitos, mas também a imersão em Conhecimentos Gerais, importante não apenas para o ENADE, mas para a vida.

Trabalho sempre com Crash: No Limite, para debater etnocentrismo, relações interpessoais em contextos culturais de caldeirões etnográficos, como é o caso dos Estados Unidos, um território de formações populacionais também ocasionadas pela diáspora. Em linhas gerais, são produções que nos permitem refletir sobre a relação entre arte, cultura e comunicação, pois a medida que os valores da cultura e da experiência humana são estabelecidos, processados e reorganizados cotidianamente, novas perspectivas precisam ser trazidas para acompanhamento deste processo. Estamos sempre em movimentação e, por isso, precisamos nos munir estrategicamente para entender todas estas transformações. É também uma opção para debater identidade cultural, tal como faço ao utilizar os brasileiros Era Uma Vez e Maré: Nossa História de Amor. Para debater relativismo social, geralmente analiso com as turmas os filmes Um Conto Chinês, Entre os Muros da Escola e O Menino do Pijama Listrado, tendo em vista refletir sobre o rompimento com as comparações e utilizações de critérios independentes para emissão de juízos de valor para observação de complexidades culturais. Para versar sobre aculturação, trabalho constantemente com a animação Pocahontas, da Disney, e os épicos Avatar, O Novo Mundo, A Missão e 1492: A Conquista do Paraíso, todos sobre processos de apagamento de uma cultura pelo viés dominador do colonizador, narrativas que também dialogam com os debates sobre etnocentrismo.

Siga o escritor em seu perfil @leodeletrasecinema

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