top of page
Foto do escritorLeonardo Campos

Comportamento Organizacional: Amor Sem Escalas

Atualizado: 20 de set. de 2023

A fria realidade das relações no ambiente corporativo: Desumanização e isolamento social em ‘Amor Sem Escalas’


Filme ‘Amor Sem Escalas’
Foto: Reprodução

Relações interpessoais em ambientes privados e organizacionais já foi tema de vários filmes muito interessantes. "Amor Sem Escalas" é um destes, produção que vai bem além das dinâmicas de uma comédia romântica e nos faz refletir, quebrando expectativas. Quando pensamos que a trama vai nos levar para um caminho banal de busca pelo amor e ajustes diante do protagonista em sua vida domada pela superficialidade, somos expostos ao discurso cru de uma história lançada em 2009, mas ainda mais relevante na atualidade, haja vista a sua abordagem crua e realista dos relacionamentos humanos numa existência sufocada pelos ditames do capitalismo, sistema cada vez mais agressivo, ou selvagem, para desenhar melhor os seus desdobramentos em nossas ações cotidianas. Dirigido por Jason Reitman, acompanhamos ao longo de 111 minutos, a jornada do executivo normopata Ryan Bengham, interpretado por George Clooney num ótimo e emocionante desempenho dramático.


Ryan é um executivo de RH. Ele perambula o território estadunidense cumprindo uma missão considerada desagradável para muitas pessoas: demissões. Ao realizar o trabalho para a corporação onde atua, o executivo cumpre fielmente e friamente a agenda, sem demonstrar qualquer sensibilidade para uma demanda que lhe tornou uma referência dentro da empresa. Dono de uma objetividade perversa, ele cumpre os protocolos e segue para a sua próxima jornada como se não tivesse devastado vidas em seu caminho, afinal, o trabalho e suas instâncias pessoais, profissionais e sociais representam a dignidade daqueles indivíduos, colocados em situação de desesperança, muitas vezes, após anos de dedicação e aparente segurança financeira para lidar com as adversidades diárias.



Morador de Nebraska, Ryan praticamente não vive em casa. Sempre viajando, acumula milhas com a meta de se tornar um membro de luxo da companhia aérea. Além da desejada aproximação das 10 milhões de milhas, ele palestra para outros profissionais em eventos sobre carreiras, carregando consigo a filosofia da mochila, uma teoria própria do capitalismo sobre as nossas travessias com bagagens vazias, sem pesos que nos impedem de avançar. Por peso, essa linha filosófica destaca os relacionamentos, os apegos familiares e outras coisas impeditivas para o progresso sem olhar para trás e se culpar por laços desfeitos. Olhado por um determinado ponto de vista é até interessante, pois algumas escolhas do presente, muitas vezes, nos encaminham para “incertezas garantidas” ao conjugarmos o futuro. Mas, na ótica do texto de Amor Sem Escalas, esse desapego vem com uma carga de solidão e superficialidade.


Podemos contemplar isso ao ver Ryan se apaixonar por Alex Goran (Vera Farmiga), uma executiva que segue a sua mesma linha. Trabalha exaustivamente, está sempre em deslocamento, mas para a sua surpresa, quando tenta uma relação de maior proximidade, torna-se um repelido, pois ela é casada e mantém uma existência fixada em mais segurança, mesmo que viva as suas aventuras sexuais que não passam de situações casuais deixadas na memória ao passo que pousa no aeroporto de sua cidade. Ela atravessa momentos de intensidade para o executivo, mas se posiciona como alguém que lhe ensina algumas lições valiosas que o farão refletir sobre a sua condição de homem nômade, sem qualquer laço mais significativo.

Com perfil clássico dos profissionais que vivem da produtividade e do constante e exclusivo gozo diante dos privilégios daquilo que o trabalho pode proporcionar, Ryan deixa de fora o cuidado diante do capital humano e vive para gerenciar o tempo de suas jornadas. Isso tudo fica bem delineado na direção de fotografia de Eric Steelberg e no design de produção de Steve Saklad, setores que destacam por meio de seus enquadramentos, movimentos e disposição de objetos e cenários, os espaços sem impressão de personalidade por onde o executivo pavimenta a sua caminhada, embalada pela eficiente trilha sonora de Rolfe Kent. Tendo o esférico personagem de George Clooney como protagonista, Amor Sem Escalas também investe noutra excelente figura ficcional responsável por fortalecer o discurso crítico do roteiro: Natalia Keener (Anna Kendrick).


Ela é uma jovem profissional com bagagem teórica forte, mas falta de experiência para lidar com a carga emocional diante daquilo que Ryan faz com maestria: atuar de maneira desumana com as pessoas que precisam ser desligadas de seus postos de trabalho. Com uma técnica inovadora de demissões por videoconferência, Natalie começa com muita garra, mas depois descobre o alto preço de sua missão. Sendo uma ameaça, inclusive, para o executivo, ela ainda tenta inovar com o corte de gastos, mas percebe o quão negativa é a repercussão deste processo de desumanização, em especial, após o suicídio de uma das pessoas demitidas pelo formato. No desfecho de sua jornada, inclusive, proposital ou não, o filme faz uma conexão com O Diabo Veste Prada, ao colocar o personagem despido de ética para reverenciar o perfil profissional daquela que desistiu de seguir “o caminho sonhado por tantas pessoas”, fazendo-o escrever uma declaração que demonstra os esforços e o merecimento para a vaga na qual ela se destina.


Um momento, devemos assumir, de muita nobreza para Ryan, um representante daquilo que a psicanálise chama de normopatia, termo utilizado pela primeira vez por Joyce McDougall, estabelecido para designar pessoas contaminadas pela lógica perversa das corporações, indivíduos que cumprem cabalmente os papeis cruéis determinados pelas instituições nas quais estão vinculados, sem levar em consideração qualquer afronta que tais posturas representem para os desumanizados do processo. É um termo que cabe como uma luva no desenvolvimento de Amor Sem Escalas, pois reflete pessoas diante de falsa ou aparente normalidade, ou como os estudos colocam, numa hipernormalidade reativa, em processos de sobreadaptação defensiva para lidar com os sistemas onde se encontram inseridos, neste caso, o capitalismo que manobra o humano como máquina produtora sempre à disposição das organizações.

0 comentário

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
bottom of page