Confira o sexto episódio da série 'Comportamento Organizacional em Perspectiva', onde o Professor Leonardo Campos discute uma narrativa inspiradora, inspirada no filme "Sociedade do Poetas Mortos"
Um dos melhores ambientes de debate para reflexão sobre liderança, cultura e clima organizacional é a sala de aula. O cinema, em especial, os dramas e as comédias, constantemente nos apresentam narrativas do tipo, algo que em minha posição de crítico de cinema, classifiquei como um subgênero: os filmes de professores, aquelas tramas sobre os desafios no âmbito da educação, ilustrados por produções como Ao Mestre Com Carinho, O Sorriso de Monalisa, Entre os Muros da Escola, O Preço do Desafio, dentre tantos outros. Aqui, o interesse é a reflexão acerca do clássico moderno Sociedade dos Poetas Mortos, protagonizado por Robin Williams, ator eternizado no desempenho dramático de John Keating, um professor de literatura que desafia o sistema educacional da instituição onde começa a ensinar, quebrando paradigmas ao semear propostas para uma mudança futura, haja vista os padrões rígidos da cultura organizacional que estrutura o ambiente por onde estabelece as suas propostas.
Dirigido por Peter Weir com base no roteiro de Tom Schulman, o filme não é “a cara” dos espectadores contemporâneos. Com os avanços vertiginosos tecnológicos das últimas décadas e os desdobramentos destas mudanças na linguagem do cinema, torna-se um tanto desafiador contemplar Sociedade dos Poetas Mortos com a fluência esperada da atualidade. É um filme para contemplativos. Lento, poético, com longas cenas e diálogos tranquilos, mas ainda assim, com uma discussão bastante atual. A trama é ambientada em 1959, na escola estadunidense Walton Academy, uma instituição ortodoxa, fincada em valores tradicionais extremos para o processo formativo de seus estudantes. Qualquer proposta de inovação é encarada com um tom ameaçador, tanto para o corpo docente, quanto para os gestores e familiares. Se tudo funciona da maneira que está, então é preciso manutenção, não é mesmo?
Será John Keating o responsável por administrar uma tentativa de mudança, diante das crises que começa a se estabelecer. A tradição começa a entrar em choque com a inovação nas aulas. Imposição também, dialogada com a possibilidade de conquista. O líder autocrático representado na figura do mestre, em vez de imperativo, abre a possibilidade para situações mais motivacionais e carismáticas. Nas aulas de Keating, não é preciso temer o professor, mas refletir, debater e dialogar com o mesmo, um contraste em comparação aos demais profissionais atuantes na instituição que preza pelos quatro pilares que sempre a nortearam: disciplina, tradição, honra e excelência. O foco do personagem de Williams é demonstrar que o aprendizado pode partir do prazer, criando assim a paixão pelos estudos.
O estudante, neste caso, como gerador de pensamento, não apenas uma máquina automatizada para reproduzir as reflexões teóricas de quem, por exemplo, enrijece a compreensão sobre poesia, uma manifestação artística tão subjetiva. Como professor que, no passado, foi estudante deste local, John Keating chega como um novato disposto a mudar alguns aspectos da cultura
organizacional da Walton Academy. Na literatura, campo fértil para disseminação de ideias, promove mudança de perspectivas. A polêmica cena onde os estudantes rasgam a introdução do livro de poesia, em especial, não deve ser encarada como um ato revolucionário vulgar, como pode ser pensado à primeira vista, mas como uma metáfora para a jornada de busca pelo conhecimento e, concomitantemente, pelo autoconhecimento.
John Keating é um professor que estimula os estudantes a pensarem além dos limites estipulados. Mas, o novo, como sabemos, assusta. Por isso, uma crise indicativa de mudança é estabelecida. Do grupo de estudantes, um dos representantes não suporta as imposições do pai tradicional e comete suicídio. Todos ficam abalados. A instituição, com seu manto de proteção, se posiciona de forma acusadora e afasta o professor. A sociedade de filosofia e poesia, que intitula o filme, é desfeita, mas o desfecho da narrativa nos mostra o mais importante de tudo: a semeadura. Keating é ovacionado pelos estudantes enquanto se despede, percebendo que desequilibrou uma estrutura supostamente coesa que ainda se mantém por lá, mas não consegue mais assegurar os seus padrões ultrapassados. É tudo muito romântico, sim, no entanto, as escolhas do encerramento permitem uma abertura maior para o espectador pensar o processo, sem se entregar a uma fórmula mais fácil de resolução de conflitos.
Ao longo dos 128 minutos de narrativa, a equipe técnica de Sociedade dos Poetas Mortos constrói por cenas poéticas por meio dos recursos da linguagem cinematográfica. As escolhas da direção de fotografia John Seale são eficientes neste processo, desde os ângulos de captação emocional dos personagens aos enquadramentos com planos gerais que captam o clima de tentativa de transformação da jornada do professor e dos jovens estudantes. O design de produção de Wendy Stites também é assertivo. Setor que se responsabiliza pela cenografia e direção de arte e nos entrega espaços para circulação dos conflitos dos personagens por meio de edificações tradicionais, suntuosas, visualmente representativas da imponência da cultura organizacional da instituição onde os estudantes precisam driblar os tradicionalismos e buscar a filosofia por conta própria, longe dos ditames do pensamento alheio rígido. Ademais, a textura percussiva de Maurice Jarre é imersiva, o que ajuda na exaltação dos sentimentos para o espectador que participa desta experiência lançada em 1989, mas ainda atual em seus debates.
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